... meu coração é um rio que não conhece o mar...



... sou sempre o que ainda está por vir
pelo pouco do pouco que me sobraram
há quem diga que sou crônica
há quem diga que sou conto
desconfio ser um faz-de-contas inacabado
sou castelo de cartas de baralho,
erguido por uma criança entediada
sou castelo de cartas de baralho,
sempre esperando o vento atrasado
sou o que sou, canção descompassada
fiz do pôr do Sol um retrato na parede
com gosto de café amanhecido
sou sempre o que vai, vai, vai...
sentido único
quieto
sozinho

Rio.

há quem diga que sou poema
há quem diga que sou prosa
mas sou mesmo uma piada
sou não-abraço
palavra que nunca será pronunciada
sou pouco, muito pouco
do pouco que me sobraram...

Ora tinha o corpo livre,
Ora tinha razões e
Era sabedora de suas virtudes
E dona de seus desejos
As coisas tinham que ser muito miúdas para lhe escaparem.

Ora tirava a lua para dançar,
Com seu vestidinho rodado a bailar,
Não se importava se a lua, tinha par
E em tempos era tão tímida
Que nem a noite vinha saudar

Observava por infinitos segundos
O mundo que girava em cores
Ainda se transformando por debaixo das sombras
Distinguia perfeitamente as matizes afloradas
Dos sentimentos naturais

As coisas tinham que ser muito miúdas para lhe escaparem.

Às vezes esquecia suas preces, por querer,
Por querer deixava-se pecar
Conhecia muito bem seu carteado,
E simplesmente fingia ser livre... pois não acreditava na evolução
(o homem que andava de quatro agora caminha sobre os pés!)
Ela sabia,Deixou sinais,
- de quase silêncio –

Que a alma, encerrada, mesmo em um corpo são, já é domesticda!

Ela brincou de roda no quintal de casa
Enfeitado os seus cabelos de cachos estavam,
Com uma pendente rosa amarela, de repente...
Se despiu...
Se despediu...
Fecho o portão do quintal... saiu
Não olhou para trás...se foi...nem um sorriso deixou
Assim é melhor,
Sorrisos são hipócritas nas despedidas.

Tão grande era seu olho que somente um lhe bastava!
As coisas tinham que ser muito miúdas para lhe escaparem.

Acho...
Que por isso ela não percebeu meu amor...

...melhor assim.

... são de saudades que se fazem os outonos...

... se colhe nuvens do chão para preparar a enxergar cor no canto dos passarinhos... se faz saudade porque dentro de um poema já não cabem mais todas as tristezas do mundo...

... me desaponto em mim e percebo que apesar de tantos outonos ainda consigo lembrar das flores do nosso jardim... ainda pude juntar alguns versos que caíram dos teus cabelos...

... são de reencontros que se fazem as primaveras...


E a combustão do caos, que fagulha intelectual, a atiçará?
E a fala cômica do palhaço mímico, em qual nave auricular ecoará?
E o aplauso dos aflitos, neste teatro de piedades, aconteceria de pé?
E o rato salteador de amores, onde roerá?
E a peçonhenta serpente da inveja, sem muda de pele e de bote silencioso,
onde inoculará?
E a vizinha em dança cínica, perfeita bailarina no coito, onde insinuará?
E o lobo de sorriso lascivo, o charme é sua armadilha e a solidão sua virtude,
qual a presa que virá?
E a mãe com sua crença crítica, edificando templo de fantoches, a que deuses oferendar?
E a palavra na crosta seca do céu da boca do sábio, quando brotará?
E o homem tradutor da vergonha, com sua pena e tinta já encheu mais mil pergaminhos,
e seu compêndio servirá?
E a lança da coragem em riste, em qual coração deve cravar?

E a cachaça que arma a tenda de todo este circo, nem precisa purificar!

dedicado a J.M.


queria um pouco do que escrevia,
para que pudesse recompor toda a força da sua infância
mesmo não sabendo quando... se entre versos ou rimas
ou se no silêncio daquelas reticências
medida do tempo que agora vivia...

por não saber se algum dia conseguiria
é que ele continuava sempre a escrever...
escravo do tempo, do silêncio e da beleza do rosto daquela mulher...

...mesmo que ainda tenha de fundo um plano reto
até os dizeres mais corretos feitos de carvão
se entortam quando escritos sobre um muro de chapisco...

.
.
.
.


.. ela não pingava os is e sempre dizia:
"... já que nasci louca,
que eu morra então poetisa..."



.

...como se fosse um anjo caído de um sonho cálido
Anjo de grandes lábios roxos e possuidor de ancas em deleite...

Pairando assexuadamente em um céu de olhos róseos...
com toque que mescla a amargura do amanhecer e a orgia explicita no crepúsculo
eram digitais sem ex(impressões)

... como se fosse tirana...por vingança desceu à terra...

E seus pés tocaram a grama do jardim da salvação, calmos como o olho do furacão
vagou em trejeitos lascivos com a boca aberta e a espreita

... como se fosse pura...para se sujar colheu a flor da perdição...

Bem vinda ... noite
Espectro de charme e matizes misteriosos,
que envolve como chuva ácida,
descaracterizando o caráter, a razão e os desejos.
.

pinte um sorriso e discretamente
esconda a tristeza que sangra
por entre as fileiras dos teus dentes

Ela foi fundo nas ruas da cidade baixa
Perdeu-se, de joelhos, como uma gata cega e prenhe de desejos
Fuçou os lixos das mansões entristecidas
Descolou a retina no salto além da luz
Miou alto dentro das orgias
Caprichosamente se banhou entre línguas

Não se iluda! Nas madrugadas etílicas todas as gatas são pardas...
E suas verdades elas enterram em suas caixinhas de areia... pela manhã.

.
.
.
.
Sujeito: - é possível, amigo, reconhecer quando o amor acaba?


Qualquer: - e serás possível, meu amigo,
tu me dizer quando é que ele começa?

.
queixa você da vida
queixa você do amor
quando nada disso prende tua atenção,
queixa você dessa canção...
qual pedra rola ladeira
se desfazendo a si mesma
e de qualquer certeza
do que venha a construir.

quede seus sonhos?
que de tantos, se perderam...

talvez estejam perdidos

(esquecidos)
talvez, quem sabe, dormindo
ou se procriando
(dentro de outros sonhos amanhecidos)

quede seus sonhos?
que de tantos, se renderam...

quireras para a sua história
novos sonhos neste mundo estranho.
muito além das suas intenções,
e do que é capaz de entender e aceitar seu coração...

quede agora seus sonhos?

Bebemos a água da nascente
Com a concha que construímos com nossas mãos
Bebemos a água da nascente
Tocamos a vida...
Que nasce eterna por entre nossos dedos
Bebemos o segredo dos homens
Sem ao menos desejarmos tal coisa
Bebemos a sede da nascente
Que corre eterna por entre nossas vidas
Tocamos a água...
E bebemos a sede dos peixes.

E na margem dessa fonte,
Há uma sempre flor qualquer que nasce e morre,
Sendo e nunca deixando de ser exatamente o que é.

... saudade é que nem verso torto,
só se ajeita com reticências...

A cada giro da Terra eu conto um dia
Pensando em como seria bom ter outra vida
Eu vejo o mundo pelos olhos estropiados
Boca torta, barba por fazer, perfume barato
O mundo não pára quando a gente pende a perder
Viver é apostar, é impar vermelho.

Em uma caixa de sapato guardo meu amor
E meus sonhos cansados em outra de isopor
Meu silêncio é um grito acumulado
Presente de todos os dias dos dados
Presente da vida de quem não tem o que fazer
Viver é perder, é impar vermelho.

Mas eu continuo vendo o mundo detrás do espelho
Procurando no inverso alguém que me pareço
E enquanto eu tento enganar o tempo
Vivendo sozinho como estou vivendo
Seguro os dados e os lanços para frente
Viver é um vício, é impar vermelho!

... fecho os olhos e os vejo brincando no meu quintal,
repetindo minhas manhãs
feito cantar de passarim quando pega gosto de voar
quando chega a noite,
a lua desassustada sai debaixo de algum girassol
só para cobri-los serena com o manto das estrelas...

.
Horas, dias, anos,
Um pouco, mas bem pouco, de eterno
Quase sempre só,
E só, procurando sempre... um herói
E tentando transformar quem quer que fosse, ou que acreditasse que pudesse ser, ou que a esperança achasse que seria...
E nunca, nunca eles foram...
Não por incompetência deles

PAI, AVÔ, JESUS, JIM, NIETZCHE,...
E tantos outros a quem entregamos a culpa, o medo, frustrações, decepções, ou todo o nosso fardo ou tudo que nos limita,
E que eles, heróis
se encarregassem de nos libertar

Tantos anos à procura
Tantos anos decepcionado
Houve entrega, crença.
E os heróis
Sempre e sempre falhando

Houve tempos que excomunguei um por um
Na tristeza ou na essência da incredulidade
Mando a merda todos os heróis...

Estanquei a procura, matei-os
Transformei no maior arquiinimigo

Iniciei a gestação meu “EU” herói

Assim me vinguei mais feliz
E consigo caminhar sozinho
Com as minhas glórias.

.
Pense como seria...
Se em algumas verdades houvesse mentiras
E se todas as mentiras em algum momento não fossem de verdade
Pense como seria.

Pense como seria...
Se em um mundo de águas as lágrimas não brotassem de uma amargura da alma
E se a alma virasse sertão, onde choveria, mesmo que em mínima pluviosidade,
as lágrimas da felicidade
Pense como seria.

Pense como seria...
Se em dias que se entedia, se estendia o dia
e ao homem em um jardim, viesse a privação de uma rosa que tendia
E para a rosa, em um só jardim, minguasse a admiração de um único olhar do homem
Pense como seria.

Pense como seria...
Se existisse razão em um sorriso
E se para um sorriso necessitasse a existência de uma razão
Pense como seria.

Pense como seria...
Se no medo da incerteza, não tivesse intrínseco a certeza do medo
e se no medo de se estar certo, não ocorresse a incerteza de se errar
Pense como seria.

Pense como seria...
se o tempo em determinado momento se esgota
como seria se não existisse reticências
Pense como seria...

.
.
... na rua Maria erguia seu prato. tinha olhos desdentados e rugas secas das lágrimas que há anos não chovia, nem de tristeza, nem de alegria... ao vê-la, imaginei Maria, mariazinha... a vi brincando menina, correndo sem o peso do amanhã nos seus ombros. dentro, mariazinha se escondia atrás do coração de Maria, rezando para que alguém afastasse as moscas que pousavam no corpo dela. qualquer alguém... ali, Maria nascia e crescia tão rapidamente como lentamente morria... tornou-se uma paisagem naturalmente pintada pelos homens, como a figura de Cristo tatuada ao redor do próprio umbigo... anos mais tarde, Maria ainda sobrevivia por ali, pintando de negro a asa branca, dormindo sobre as flores de Geraldo Vandré e perdendo o trem das onze, com o que lhe sobrava, restava apenas sentar-se no chão para ver a banda passar... tanta miséria agasalhava Maria. tantos nãos a nutria. mesmo assim, quase alcancei mariazinha quando me estendeu sua mão enquanto Maria me agradecia. podres esperanças exalavam de Maria. vida vencida. mas a maioria das pessoas que passavam não sentiam, ou melhor, não queriam. muitos nem viam Maria ali sentada. calada. miudinha. no prato algumas moedas no lugar de comida. não seria eu se não fosse Maria. era Maria. eu sei que era Maria. mas poderia ser meu pai, minha filha. poderia ser você, João, Ana, Cecilia... um ou outro jornalista escrevia sobre quantos quilos da vida daquilo cabiam em um só olhar, já outros, os de gravatas, mediam mesmo a vida de Maria em colherinhas de chá... esta Maria, rainha do quinto naipe do baralho, não era Maria de poesia. era de agonia. não por ser ela tão velha. tão indefesa. sozinha... mas por ser somente Maria.


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